segunda-feira, 15 de junho de 2015






a chuva fina  afunda a terra e eu
pés fincados sobre chão incerto
ouço o céu ranger  
que alegria perigosa
não querer nenhum toldo
nenhuma enxuta proteção
teu corpo de milagres úmidos, sim
assim eu estaria salva: numa quina do teu quarto
nossos pensamentos entrelaçados como ataduras claras
tapando ferida ainda fresca
é aqui nesse ponto que perdes tua arbórea ascendência
e ganhas a consciência dos bichos que não sabem
esse esquecimento será doravante tua origem
aqui crias parentesco com os nós
a terra escura, o mármore, os novilhos
eu te transmito esse dom:
eis que não serás remédio para nada em mim
vagarás pelo meu corpo, supérfluo
orientado pela tua própria errância
apenas quando souberes ser insuficiente
poderás transitar em liberdade
o que quer dizer falhando
e tua caminhada te levará ao desencontro
justo nesse ponto em que nos achamos
tua mão toca o mais fundo do meu peito raso
e eu reajo como se esperasse uma flecha
acertar a maçã equilibrada sobre a minha cabeça
e, com gula plena de um corpo alimentado,  
mordo tua pele
arranho tua pele agora órfã
e escapo no instante em que me entrego
feito bicho que morde a isca e se salva
um segundo antes da armadilha desabar
em mim, tu amas a terra, os solos férteis e os incêndios
tens amor pelo vidro, as prateleiras, os tapetes
amas também o meu corpo
e amando meu corpo sabes amar
alegremente a transitoriedade desse instante
agora
pesado e flutuante como o navio e também
traiçoeiro como o mar
subitamente, nasces
consanguíneo a tudo que ignoras
e eu juntamente
no repouso provisório do teu peito
trincheira e escudo
improvável berço meu