quinta-feira, 24 de janeiro de 2013



colaboração para a revista Dasartes n.25. sobre a exposição Tração Animal de Raul Mourão. (clica que aumenta)

sábado, 12 de janeiro de 2013




Lesbos

Crueldade na cozinha!
As batatas assobiam.
Tudo isso é Hollywood, sem janelas,
A luz fluorecente estremece acessa e apagada como uma enxaqueca,
Pequenas tiras de papel para as portas
Cortinas de palco, o frisado da viúva.
E eu, amor, sou uma mentirosa doentia,
E minha criança – olha o rosto dela voltado para o chão,
Pequeno fantoche desatado, pulando até sumir
Porque ela é esquizofrênica,  
Tem a face vermelha e branca, o pânico,
Tu prendeste seus gatos para fora da janela 
Em uma espécie de roda de cimento
Onde eles cagam, vomitam, choram e ela não ouve.
Tu dizes não a suportar,
Essa menina bastarda.
Tu que sopraste teus canos como um radio ruim
Limpa de vozes e de história, estática
O ruído do novo.
Dizes que eu deveria afogar os gatos. Eles fedem!
que eu deveria afogar minha menina.
Ela iria cortar sua garganta no dez se fosse louca no dois.
Os sorrisos do bebê, gordo caracol,
Das pastilhas polidas de linóleo laranja.
Você poderia comê-lo. É um menino.
Dizes que teu marido não é bom o suficiente para ti.
Sua mãe judia guarda seu suave sexo como uma pérola.
Tu tens um filho, eu tenho dois.
Eu deveria sentar em uma pedra na Cornualha e pentear meu cabelo.
Eu deveria usar calças de tigre e deveria me envolver com alguém.
Nós deveríamos nos encontrar em outra vida, deveríamos nos encontrar no ar,
Eu e tu.

Enquanto isso, há cheiro de gordura e de cocô de bebê.
Estou dopada e turva do meu ultimo sonífero.
A poluição de cozinhar, a poluição do inferno
Flutuam nossas cabeças, dois nocivos opostos,
Nossos ossos, nosso cabelo.
Te chamo de Órfã, orfã. Tu estás doente.
O sol te causa uma úlcera, o vento te dá tuberculose
Uma vez fomos bonitas.
Em Nova York, em Hollywood, os homens diziam: “Pronto?
Oh baby, você é rara”
Você agiu, agiu pelo tremor.
O marido impotente sai para um café.
Eu tento mantê-lo dentro,
Um velho para-raios,
Os banhos ácidos, os céus fora de ti.
Ele impele para baixo da colina coberta de plástico,
Fustigado trem. Faíscas azuis.
O transbordamento das faíscas azuis,
Derramando-se feito um quartzo em milhões de pedacinhos.

Ó jóia! Ó valiosa!
Essa noite a lua
Arrastou sua bolsa de sangue, doente
Animal
Acima das luzes do porto.
E quando elas nasceram normais,
Intensas, separadas e brancas.
Na areia, a escala dos brilhos me matava de medo.
Continuávamos colhendo de mãos cheias, amando,
Moldando como se fosse massa de pão, um corpo mulato,
Os grãos de seda.
Um cachorro pegou seu marido cão. Ele passou.

Agora estou silenciosa, ódio
Acima do meu pescoço,
Grosso, grosso.
Eu não falo.
Estou embalando grossas batatas como boas roupas,
Estou embalando os bebês,
Estou embalando os gatos enfermos.
Ó vaso de acidez,
De amor tu estás cheia. Tu sabes a quem odeias.
Ele está abraçando a sua bola e acorrentado por baixo da porta
Isso abre o mar
Quando arrasta, branco e preto,
Vomita, então, de volta.
Todos os dias tu o preenches com estofo de alma, como um jarro.
Tu estás exausta.
Tua voz é o meu brinco,
Agitando e sugando, morcego amante de sangue.
Isso é o que é.
Tu escutas pela porta,
Bruxa triste. “Toda mulher é uma puta.
Eu não consigo dizer.”                                                                                                                          

Vejo tua bela decoração
Fechada em ti como o punho de um bebê
Ou uma anêmona, no mar
Meu bem, essa cleptomaníaca.
Eu ainda estou crua.
Eu digo que posso estar de volta.
Tu sabes para que servem as mentiras.

Nem mesmo no teu paraíso Zen iremos nos encontrar.



Minha tradução livre do poema Lesbos de Sylvia Plath.
Fotografia de Cecília Cavalieri