domingo, 27 de fevereiro de 2011

olhos como flores negras
meu amor navegando agreste
10058 metros acima
primeira travessia perigosa
meu medo, eu te agradeço
nenhuma inundação
descanso aos pés da torre
sozinha no museu
folheando livros, escolhendo pela capa
não entendo palavra
noites de surdez
penso que assaltaram minha casa, penso em impérios decadentes, penso que tua pele é labirinto
durmo com o cabelo úmido
nem lembro mais do rosto dele
escalo escombros
cartografia adulterada
me visto para casar
choro entre estátuas, desenho pedras, sinto dor
sístole e diástole ante o mar
porcelana chinesa, expedições polares
visito barcos, tenho pesadelos, navego
vous êtes tout excusé de votre oubli
estudo a fuga
99 dias depois: 3 verões num mesmo ano, mais cabelo, deixei passar, perdi o medo das coisas óbvias, vertigem e excitação de não saber, roçar hermetismos com a pele, ceticismo sensível, vulgaridade rara, hoje isso sou eu, sexo na claridade, tornar o passo lento numa chuva fina que até dói
o que te soa simples
pra mim é
quente
feito fogo

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

não é nada mais que minha vontade de estar no meio do seu ser tão de vontades ainda não ditas, de participar de seus pedaços, de forma inteira. e de tentar advinhá-la para te fazer uma invenção parecida com um acalanto, uma flor ou um travesseiro que se oferece a sua cabeça com uma franja mal-feita por você. aos poucos, tentarei forjar rédeas e uma carroça para domar esse cavalo e os outros possíveis desse ser tão com muitas veredas. invento-lhe também algo como uma cor de ambár. bárbara, como queiras, mas ambár. tudo existindo em uma ordem inabalável e sempre à beira de qualquer mudança aguda, Deus como uma suave rigidez, manifestações divinas sem nos darmos conta. mas ainda estávamos em tua cama, e pode ser que seja tarde para te pedir: vem me assustar, vem me botar de cara com a minha falta de tamanho, vem saudar o Deus que há no centro de todos os ímpetos, vem promover a alquimia, vem assumir teu corpo, vem deixar a conquista do amor para ser o que há de mais radical no amor, vem criar teu corpo, vem praticar jogos de renúncia, vem me desfazer da minha intenção de controlar, vem me dar a intenção de sustentar presença no mais profundo do instante. talvez acabe nesse exato instante em que tua ternura se aproxima de mim, recobrindo o mais afiado dos meus ossos, podia ser então que eu fosse jovem e tu mais jovem ainda, deitados no jardim da casa dos meus pais, amando-nos silenciosos, apontando constelações inexistentes no céu, podíamos ser tolos, desajeitados, amores-eternos de uma noite, naquela mesma noite em que me pedirias em casamento, me oferecendo um anel feito de papel de coisa doce e eu te aceitaria de todas as formas que se pode aceitar. quando tu me perguntaste por que eu olhava tão triste enquanto te ouvia falar, eu então sorri dizendo do céu assim meio laranja, para não ter que dizer que o que me fazia triste na verdade era tua beleza me atingir em tantos sentidos, me comover de tantas maneiras, que te olhar era tocar no desperdício, naquela coisa que sempre faltava ou sobrava, o que de ti eu não tocava com extremidade qualquer. quando nós saímos de mãos dadas, não, as mãos quase se tocando, fiquei parada, esperando, esperando que dissesses logo que tinhas feito um plano para nós, que querias dormir comigo naquela noite e nas seguintes, que morrias de vontade de ter um filho meu, que te tenho pelo jeito como vou embora e te deixo sozinho, pelo meu jeito de ser tão sem dono, por estar tão agradecida, tão agradecida, meu Deus. perguntaste se eu me lembrava do começo, sim – respondi – aquela manhã, teu cabelo solto, misturado a fiapos de luz. hoje fez sol e depois choveu e o céu ficou meio laranja, eu acho então que começou aqui quando eu encarei minhas próprias mãos para ter coragem e só então tocar a tua. nós dois, coisas inteiras rasgadas enfim

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011





















a constância geométrica dos corpos instáveis

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Arte Bruta

Salivo de desejo, queria um mosteiro Beneditino para testar minha alma rala
Queria me embrenhar na seca, tomar pinga, distender meus braços latinos no pulso de um atabaque
Dançar de colant em Pernambuco
Colar um Bosch na parede com dupla face
Não evito gargalhada em meio ao pânico
Coberta de uma pele crua e emplumada
Arrisco o vazio da mente em meditações dolorosas
Como que para me salvar do mais simples de mim
Sincretismos fervorosos, lacuna apaixonada
Em nome do Sagrado Nada Entender, procuro o esquecimento, os dias letivos e devidamente ocupados. Desempenho a nudez solitária, experimento dormências e silenciosas núpcias. Me dissolvo de amor, tropeço na barra das calças, soluço há mais de uma semana. Canso-me da sedução pelo enigma, do leviano jogo de ausências, olhares cifrados, palavras gentis. Então fico perversa, altiva, etérea, louca de vontade de ir pra casa chorar um pranto quente, dissertando sobre todas as minhas misérias, entregando-me ao grande cansaço. Vem, amor antigo, tuas faces são metades de romã, na transparência do véu, teu pescoço é como a torre de Davi, construída com parapeitos, da qual pendem mil escuros e armaduras de todos os heróis, teu corpo é tormenta, mar aberto, ventania. Ou então deixa pra lá.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Unhas curtas, que já nem te marcam mais. Um dia inteiro, sala e quarto, no exercício renovado de uma espera antiga. Agrado-me até me machucar, devoro o que aparece, me esvazio em qualquer cheia. Depois tento os vestidos floridos, mutilações, caminhada em prece, amar a Deus através das quedas.

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Tento o desvio, a cachaça, o sublime das linhas certas e tortas. Enceno a Sagrada Vagabunda, depois a ressentida imaculada, esqueço tudo, me coço até sangrar. Recebo tua mão sobre meu ombro como uma improvável oferta, arrependimento fundo, sonho com hieróglifos.

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Aglomero omissões com pressentimentos, descasco enigmas, me explicito e não.

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O risco como um norte.

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Nenhum orgulho aos meus pais, nenhum hábito educado, nenhum orgasmo solitário.

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Tomo banho de chuva, comungo, levo choques.

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Luto pela causa operária

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Tento a dissimulação. Invejo a bailarina contundida. Sofro de fomes matinais

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Arrumo a minha farmacinha. Experiências telecinéticas.

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Um tédio que me santifica. Pontas duplas.

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Arqueologia sem perfuração.